quarta-feira, 30 de junho de 2010

AINDA SOBRE ONTEM NA SALA DE DANÇA DA UFBA

tangência no piso: circulo e linha - escape e contenção


a apresentação na UFBA foi para mim uma experiência muito instigadora, carregada de um sentimento de privilégio, distinção de uma intimidade consentida em momento transitório, de exposição extrema – e a dificuldade que percebi de encontrar o tom para colocar questões sobre o produto e o processo


a surpresa de reconhecer os temas, perceber que há uma revelação e que algo está sendo dito com clareza: tem um tempo transformador das ações que se alternam e se conectam, remetendo gradualmente às imagens percebidas e perseguidas nas discussões, nas referências, nas associações elaboradas a partir daquele universo delimitado em arena, confronto, escape, transição e deslocamento



entendo a relutância de ceder à narrativa, pelo que esta restringe a complexidade, leva ao entendimento fácil, simplificado, dicotomizando sutilezas, porém há um discurso consistente que se conformou no processo e foi delicioso entender o idioma deste discurso no experimento apresentado por laura, isaura e tiago

se uma narrativa pode ser a redução de um discurso, a sobreposição de diversas narrativas estabelece um campo de possibilidades de associações que permitem atribuir novas complexidades para a experiência – e penso que isso emergiu no experimento apresentado... sutilmente



para mim as associações são desencadeadas no que a cacá chama de agenciamentos: processos ativados por dispositivos disponibilizados para um certo “manuseio”, estações com entradas para deslimites, rupturas com o simples aparente - a narrativa estrutural (ou central) – permeada e constituída por meio de ações simultâneas: áudio, construção, vídeo, texto, luz, cenário, dança contemporânea, etc, para que possamos ver, ouvir, sentir, prever, narrar, lembrar, comparar, se perder e achar

pensamos na disponibilização de “estações” diferentes de áudio naquela noite, mas lembro que já tínhamos cogitado fazer isso com a luz, imagem, texto e som, como lugares de interferências propiciadas com certos limites de alcance e abrangência, abrindo e complexificando a ideia de narrativa

os números de circo são ótima metáfora se pensarmos uma certa simultaneidade deles, seus encadeamentos e dispositivos agenciadores compartilhados a partir de uma centralidade - aí sim narrativa – que permeia a todos, configura o discurso, traduz os idiomas


a constituição de um personagem narrador - que pode ser um ou vários intérpretes alternados, mas que também pode ser ocasionalmente o mateus, cacá, eu, outros – e o próprio tempo da narrativa – que pode ser anterior, durante ou posterior as ações

laura, isaura e tiago instauraram um estado de inquietação com seu experimento corporal e conseguiram deslocar o que vinha sendo formulado para um estado outro do processo





2 comentários:

  1. pedro querido,

    sua percepção aguçada de um "espaçógrafo" (!) ao perceber no próprio piso a imagem da tangência e associá-la as formas geométricas do círculo e da linha com a ideia de "escape" e "contenção" alimenta e reforça minhas ideias sobre como traduzir o flamenco, partindo da estética que ele sugere.

    tanto a contenção, quanto o escape, para mim, estão presentes nos princípios de movimento do flamenco, em sua estética, em sua base estrutural. poder associar tais ações de movimentos a uma imagem é bem enriquecedor. sei que, em grupo, já observamos essa questão da tangência, mas, em meio a tantas outras que também já falamos, é importante começarmos a selecionar alguns pontos chaves para guiar nosso processo de criação.

    por isso, acho tão importante as pontuações q vc faz, retomando questões bem pertinentes como essa da tangência e principalmente a questão das narrativas.

    sabemos de um certo receio q vem aparecendo no grupo do nosso trabalho cair numa narrativa linear e previsível. é mesmo explícita essa preocupação. entretanto, a palavra narrativa abrange mto mais do que a ideia de linearidade ou previsibilidade... (lembremos da narrativa do escritor mineiro guimaraes rosa e a multiplicidade de vozes que ali emergem, de maneira bastante irônica, instável, imprevisível, poética e algumas vezes filosófica).

    a ideia de sobreposicao de narrativas mto me interessa - isso me aproxima de uma ideia q me seduz q esta associada a documentacao, ao trabalho com registros (visuais, imageticos, sonoros), como também a ideia de cartografia q tanto "cutuco" a cacá.

    associar a ideia de narrativas sobrepostas ás estaçoes ou canais de mídia, para mim, é o "fino do fino", pois aí, vejo a possibilidade de tocarmos numa questão para mim tão central nesse projeto: a comunicação. talvez meu lado reporter fale mais alto que a própria dançarina, nesse momento, pois penso falar de algo considerado de "outras terras" como o flamenco passa pela seguinte pergunta: "por onde e como vc acessa o flamenco"? essa questao para mim é comunicacional mesmo, imbricada à arte e a cultura, mas é antes de tudo, uma questão da informação, da comunicação e do repertório de cada um.


    boa, pedrão! muy rico!! hasta la proxima postagem, pois julho vai bombar!!

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  2. ótimas colocações pedro, me fez ter um olhar de fora... o que é bem difícil quando se está propondo a coisa.

    gosto quando vc fala da narrativa gerada pelos agenciamentos, que de alguma forma foram possíveis naquele momento pela estratégia de "estabelecer ações e trajetos"...
    existe um elo de tempo espaço que indica nas ações entre os tres corpos, significações previas das informações já acionadas por nós, que configuram alí dramaturgias...
    se extravazarmos essa dramaturgia, fugindo as regras do espaço tempo e contexto nossa narrativa terá sua coêrencia interna vazada? se extravazarmos a coerência interna na dramaturgia a narrativa será como o verbo de ligação das imagens.
    E é nesse lugar que gosto de pensar na sopreposição de narrativas, onde as tres podem gerar uma... essa uma pode ser outra desse para aquele... isso interessa mais do que uma narrativa que na sua dramaturgia estabeleça significações idênticas a apreenção de todos.
    o que facilmente acontece quando muitos trabalhos de dança se propõe a confluir diferentes informações e acabam por reduzir-se a colagens onde estão claramente expostos um lugar identitário... e acredito que o que nos interessa nada tem haver com identidade!

    estou só refletindo ao mesmo tempo q escrevo rs

    obrigada pedro e cacá a presença de vcs é muy instigante no processo!!!!!!!!!

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